Mudança, Stakeholders e Projeto

por Evandro Ricardo Pires, em ogerente.com.br Seja qual for a natureza de um projeto, independente das técnicas e ferramentas aplicadas para o seu gerenciamento, pessoas sempre estarão envolvidas. As pessoas são o elemento primário de um projeto. Os projetos nascem para atender necessidades específicas de pessoas, são solicitados e feitos por pessoas, são entregues e usados por elas. São as pessoas que definem os objetivos de um projeto. São elas que planejam, organizam, direcionam, executam, coordenam e monitoram atividades. Em um ambiente de projeto as pessoas podem ser vistas como problemas e restrições, ou como soluções e oportunidades. Todo ser humano possui anseios, desejos, expectativas, interesses, motivações, experiências passadas negativas e positivas, medos, resistências, diferenças culturais, perfis e maneiras de pensar diferentes. Um projeto pode representar uma mudança, em outros casos, projetos implementam uma mudança. Projetos podem mudar processos existentes, produtos ou serviços em uma organização. Saber preparar os stakeholders para a mudança (processo que deveria ser iniciado antes do projeto acontecer) também é de fundamental importância. Entender melhor os aspectos do elemento principal de um projeto, as pessoas, nos ajuda a potencializar as chances de sucesso e assim diminuir as chances do seu fracasso. Metodologias, conhecimentos técnicos e administrativos, isoladamente, não são suficientes para lhe dar com os cenários atuais. O Gerente de Projeto, um dos principais stakeholders de um projeto, deve entender as dinâmicas do comportamento humano e como ele influencia as relações e percepções no ambiente do projeto. A mudança A mudança pode ocorrer nos mais diversos setores, tais como tecnologia da informação, comunicação, bancos, manufatura, governo, transporte, saúde, construção e educação. Em qualquer um destes setores as pessoas podem ser afetadas por mudanças, que podem ser desencadeadas em função de um ou mais projetos. Uma mudança que ainda não tenha todos os seus detalhes explanados, quando anunciada sempre nos causa certo desconforto. Quando ela ocorre sem sermos avisados este desconforto aumenta substancialmente, e uma das primeiras coisas que sentimos é a resistência à mudança. A resistência é natural, intrínseca ao ser humano e intimamente ligada à mudança. Mudança pode causar incerteza e desorientação. Em contrapartida, passamos a aceitá-la quando começamos a compreender melhor os benefícios que ela pode nos trazer. Uma mudança pode alterar o nosso cotidiano. Ela pode impactar diretamente em nossa rotina de trabalho e nos processos da organização em que trabalhamos. Alguns stakeholders podem ser mais afetados do que outros. Uma mudança muitas vezes é um processo holístico. Dependendo do seu nível de complexidade, tamanho e natureza, ela pode impactar em boa parte das áreas de uma organização ou mudá-la por completo. Dinsmore (2006) defende a idéia na qual a razão mais importante para enfatizar o lado humano do gerenciamento de um projeto, é que ele simplesmente é a forma mais eficaz de se realizar o projeto com sucesso. Ele abre caminho para a execução das tarefas necessárias e cria uma atmosfera objetiva de solução de problemas. A dinâmica da mudança A mudança parece ser inevitável. Ela afeta nossas vidas, por causa dela mudamos planos inicialmente traçados de uma forma. As organizações e os projetos são influenciados por mudanças dos mais variados tipos. Um efetivo gerenciamento da mudança pode fazer a diferença entre sucesso e fracasso. Podemos pensar desta forma tanto em projetos como na vida. Sendo assim, para gerenciar a mudança com eficácia é necessário entendermos a sua dinâmica e os seus principais componentes. O sucesso ou falha na implementação de uma mudança depende de quão bem a situação é analisada. Há vários aspectos e pontos de vista a serem considerados. Sempre há pessoas envolvidas no processo de mudança, e é preciso avaliar suas forças e fraquezas durante o processo. Fazer um diagnóstico da situação para determinar quais mudanças devem ser feitas e como implementá-las é de grande valia. As informações necessárias para a entrada do processo de mudança podem ser coletadas de diversas maneiras, tais como questionários, entrevistas, seminários e lições aprendidas. Como a mudança muitas vezes é um processo holístico, é difícil mudar apenas um elemento dentro de um sistema. Ao invés disto, o sistema como um todo deve ser analisado. E novamente temos as pessoas que possuem resistências e são relutantes, mesmo que em longo prazo venham a ganhar algo com o processo da mudança pelo qual passaram e participaram. A mudança leva ao conflito e ao estresse. Alguns obstáculos são vencidos mostrando para todos os envolvidos por que a mudança é realmente necessária e explicando de uma forma clara qual é o seu objetivo. Atualmente enfrentamos diversos modismos, e muitas vezes acabamos compactuando com eles sem existir uma real necessidade. Modismos de tecnologia, novas ferramentas e técnicas de gerenciamento, tipos de estruturas organizacionais, etc. Uma mudança estrutural em uma empresa, por exemplo, para ter sucesso, não deveria olhar simplesmente para o lado tecnológico e o das pessoas. Estes aspectos também são de extrema importância, mas não são suficientes. Uma mudança deveria ocorrer somente se um diagnóstico externo e interno indicasse que a estrutura organizacional atual está sendo responsável por alguma ineficácia da organização. A resistência à mudança A resistência à mudança pode vir de um nível individual ou da necessidade de uma mudança na estrutura organizacional. Verma (1997, p.9) cita cinco fontes de resistência individual e cinco fontes de resistência organizacional à mudança.
Figura 1 – Pressões e resistências à mudança. Adaptado de Vijay K. Verma (1997, p.9)
A percepção seletiva cria resistência porque as pessoas tendem a perceber somente aquilo que elas gostam ou acreditam, por exemplo, ler ou ouvir somente aquilo que concordam. Isso é muito conveniente. Elas acabam ignorando qualquer outro ponto de vista que venha a ser exposto. Um hábito estabelecido representa uma fonte de satisfação e fornece certo conforto e segurança. Sair dessa zona de conforto incomoda qualquer indivíduo. Uma pessoa mudará seus hábitos somente se perceber alguma vantagem em mudar. O medo do desconhecido é a fonte de resistência à mudança mais comum, pois todos carregamos conosco um elemento de incerteza. Pessoas que são afetadas pela mudança podem temer algum tipo de perda pessoal, como uma redução no seu prestígio ou medo em falhar no trabalho em função de novas responsabilidades atribuídas à elas. Quando uma organização já está estabelecida, com seus processos e padrões definidos e executando o trabalho com um nível de desempenho satisfatório, anunciar a implementação de uma mudança não é nada fácil. Afinal, baseado nas lições aprendidas da última mudança pela qual passou, ela pode resgatar algumas experiências que contribuem para a resistência à mudança, como por exemplo, a queda de desempenho (encarada em algumas situações como previsível e recuperada ao longo do processo) enfrentada naquilo que foi feito pela primeira vez. Isso cria uma grande defesa contra a mudança, porque a organização precisa garantir a eficiência de sua operação. A diminuição de desempenho significaria prejuízo para ela. Para reduzir a resistência daqueles que serão impactados pela mudança, podemos tomar algumas atitudes simples, como evitar surpresas. Ninguém gosta de surpresas, especialmente se elas forem desagradáveis. É importante anunciar com antecedência as razões da mudança. Promover o entendimento através da simpatia é algo que pode ajudar a reduzir a resistência das pessoas. É natural que as pessoas se tornem mais atenciosas quando percebem que aquelas que as estão ouvindo demonstram preocupação em entender os seus interesses e receios. Através da compreensão é possível criar uma atmosfera sadia e positiva. Uma comunicação efetiva sem dúvida alguma contribuirá positivamente no processo da mudança. Comunicação efetiva não significa simplesmente falar ou se comunicar bem. É preciso planejar e controlar a comunicação, fornecendo informações adequadas, relevantes, de qualidade e para as pessoas certas. O lado comportamental da mudança Kurt (1951) também nos apresenta uma visão muito interessante, onde o comportamento muda através de um processo constituído de três passos: Descongelamento: Este passo consiste em reduzir as forças que representam o status quo. O descongelamento pode ser realizado mostrando às pessoas as discrepâncias entre comportamentos atuais e comportamentos desejados. Pode ser difícil para as pessoas rejeitar comportamentos antigos, devido à crença e atitudes positivas que elas associaram com aqueles comportamentos. Mudança: Mudança implica em desenvolver novos comportamentos, valores e atitudes através de mudanças em processos e estruturas organizacionais. Isso muda o comportamento dos indivíduos para um novo nível. Eles começam experimentando novos comportamentos com a esperança de que esses aumentem suas eficiências. Recongelamento: Este passo estabiliza o indivíduo ou organização em um novo estado de equilíbrio. Neste estado, as pessoas vêem seus novos comportamentos como parte delas mesmas. O recongelamento pode ser realizado através do uso de mecanismos de suporte e reforços positivos que sustentarão o novo estado, como cultura organizacional, políticas e normas. A mudança e a resiliência Um fator de extrema relevância que pode contribuir positivamente para a mudança é a resiliência. Resiliência é a capacidade de enfrentar situações adversas de mudança, apresentando um mínimo de resistência quando tais situações ocorrem. A resiliência está associada com a capacidade de suportar pressões e a recuperação após uma mudança. Quanto maior a resiliência das pessoas em uma organização, maior será a velocidade da mudança. Isso contribui significativamente para a sucesso na implementação de um projeto. Pessoas resilientes:
  • Rapidamente recuperam o equilíbrio após a quebra de suas expectativas;
  • Mantém alto nível de produtividade durante períodos de ambiguidade;
  • Permanecem física e emocionalmente saudáveis enquanto lidam com a incerteza;
  • Evitam comportamentos prejudiciais ao sucesso do projeto;
  • Saem de uma mudança mais forte que antes.
A relação entre gestão de mudança e gestão de projeto Apesar dos focos serem diferentes, gestão de projetos e gestão de mudanças caminham na mesma direção. Ambas suportam um processo de transição. A gestão do projeto está mais focada nas tarefas para concluir as requisições do projeto. A gestão da mudança foca nas pessoas impactadas pela mudança. Não que a gestão do projeto em si não se preocupe com o lado humano. O que ocorre é que gerenciar pessoas em relação à mudança não é seu foco principal. Cada projeto requer algum nível de gestão de projeto e gestão de mudança. Ambas as gestões são usadas para apoiar a implementação de uma variedade de mudanças. Vejamos algumas situações:
Projeto Necessita de Gestão de Projeto? Necessita de Gestão de Mudança?
Implantação de um sistema ERP (Enterprise Resource Planning). Sim Sim
Fusão de duas empresas. Sim Sim
Alteração no layout físico de um escritório. Sim Sim
Adequação a uma nova legislação. Sim Sim
Criação de uma disciplina a ser instituída na rede pública de ensino. Sim Sim
Criação de um canal de comércio eletrônico. Sim Sim
Desapropriação de terras indígenas para a construção de uma usina hidrelétrica. Sim Sim
Quadro 1 – Exemplos de projetos. Às vezes é difícil separar mudança, gestão da mudança e gestão de projeto. Na prática, os três elementos estão interligados. Contudo, entendê-los separadamente pode ser de grande valia. Este entendimento ajuda a localizar erros em um projeto que eventualmente não esteja caminhando conforme o planejado. Assim, é possível saber se há problemas com o desenho da mudança, se há algo relacionado à questões técnicas, recursos do projeto ou preocupações advindas de como as pessoas estão aceitando ou resistindo à mudança. A comunicação e os stakeholders Na gestão de projetos, a importância da comunicação é enfatizada por Sievert (1986), que diz que uma alta porcentagem de frustrações e ineficiências nas relações de trabalho são causadas devido à uma comunicação pobre. Em quase todos os casos, uma interpretação errônea, uma mudança, uma data de entrega errada de um determinado componente de um projeto, ou a falha em executar instruções, resultam de uma quebra de comunicação. Em casos mais críticos, a comunicação pode até determinar a parada do projeto. A comunicação é um elemento de vital importância, não só apenas em relação ao escopo e entendimento do projeto, como também na sua utilização entre os diversos tipos de stakeholders. Para quem está transmitindo informações e idéias, é necessário que isso seja feito de forma clara, pois somente assim a outra parte, uma pessoa ou grupo de pessoas, terá um entendimento exato do significado e da intenção daquilo que está recebendo. Uma forma simples que pode ajudar no processo da comunicação, é a confirmação através de um simples questionamento feito a quem recebeu a mensagem. Quando o transmissor da mensagem faz este questionamento ele está garantindo que a outra parte entendeu de fato o que foi transmitido. A palavra chave é: feedback. Ao transmitir uma mensagem, Verma (1995) sugere os seguintes passos:
Figura 2 – Principais passos da comunicação escrita. Adaptado de Vijay K. Verma (1995, p.10)
Conclusão A mudança é intrínseca aos aspectos pessoal e profissional. Pessoas e organizações sempre enfrentarão mudanças. A implementação de uma mudança ou projeto depende fundamentalmente das pessoas. A mudança é um processo holístico, e muitas vezes pode levar ao conflito e estresse. Entender as dinâmicas do comportamento humano e como ele influencia as relações e percepções no ambiente pode facilitar o processo da mudança. O medo do desconhecido é a fonte de resistência à mudança mais comum, pois todos carregamos conosco um elemento de incerteza. A resistência à mudança advém de outras fontes, tais como percepção seletiva, hábito, dependência e incertezas. A sobrevivência e o crescimento dependem da adaptabilidade e habilidade em mudar estratégias, estruturas organizacionais ou mesmo a vida pessoal. Saber gerenciar a mudança e preparar os stakeholders pode ser um fator decisivo. A criação de um relacionamento baseado na confiança fará com que as pessoas se comprometam e apóiem a mudança. As pessoas resilientes poderiam influenciar no engajamento daquelas que são mais resistentes. Essa atitude seria de grande valia no ambiente organizacional. O gerenciamento da mudança, sobretudo em organizações grandes e complexas, é uma tarefa difícil, que envolve não apenas a necessidade de alterar políticas, procedimentos e estruturas, mas também de se promover novas formas de comportamento das pessoas e transformar a cultura enraizada. Para isso, habilidades interpessoais como comunicação, liderança e profissionalismo são essenciais. Face a esse cenário, a falta de um tratamento adequado para com os stakeholders poderá potencializar as chances de fracasso de qualquer mudança ou projeto. Referências BARCAUI, André B. Gerente Também é Gente: um romance sobre gerência de projetos. 1. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2006. BACCA, Claudia. Project Manager’s Spotlight on Change Management. 1. ed. California: Sybex, 2005. BASTONI, Marco Antonio. Apostila: Management of Change. 2. ed. Curso MBA em Gestão de Projetos Segundo as Práticas do PMI®. São Paulo: FIAP, p.20-23. Jan. 2008 BENNIS, Warren C.; BENNE, K.D.; CHIN R. The Planning of Change: Readings in the Applied Behavioral Sciences. New York: Holt, Rinehard & Winston, 1961. BOONSTRA, J. J. Conclusion: some reflections and perspectives on organizing, changing, and learning. In: Dynamics of organizational change and learning. Chichester: Wiley, 2004. BOURNE, Linda; WALKER, Derek H. T. Visualizing Stakeholder Influence. Project Management Journal, Newtown Square, v.37. n.1, p.5-11, Mar. 2006. DINSMORE, Paul Campbell, Fator Humano em Projetos. Revista Mundo PM, Rio de Janeiro, n.10, p.60, Ago/Set. 2006. DUCK, Jeanie Daniel. O monstro da Mudança nas empresas. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001. LEVITT Steven D.; DUBNER Stephen J. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. NADLER, D. Concepts For The Management of Organization Change. In TUSHMAN, M.L. et al. The Management of Organizations, New York: Harper Collins, 1989. NEUMANN, J.E. Why People Don’t Participate in Organizational Change. Research in Organizational Change and Development. Green which, CT: JAI Press, v.3, p.181–212, 1989. PALLESI, Roberto. Apostila: Mitigando riscos com conhecimento da gestão de mudanças. Curso Pós-Graduação em Gestão de Projetos. São Paulo: Universidade São Judas, p.40-49. [2008?]. SIEVERT, Richard W. Jr. Communication: An Important Construction Tool. Project Management Journal, Newtown Square, p.77, Dec. 1986. VERMA, Vijay K. The Human Aspects of Project Management – Organizing Projects for Success, Volume One. Pennsylvania: Project Management Institute, 1995. ______. The Human Aspects of Project Management – Resource Skills for the Project Manager, Volume Two. Pennsylvania: Project Management Institute, 1996. ______. The Human Aspects of Project Management – Managing the Project Team, Volume Three. Pennsylvania: Project Management Institute, 1997. Sobre o autor: Evandro Ricardo Pires, formado em Administração de Empresas com habilitação em Computação, certificado PMP e com MBA em Gestão de Projetos, atua coordenando projetos de implantação de soluções para Engenharia de Manufatura em grandes empresas do setor automotivo.

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