A transformação digital é uma questão de talento, não de tecnologia

Como a revista The Economist apontou recentemente, uma das consequências mais óbvias da atual pandemia da Covid-19 será “a penetração de serviços que dependem de dados em mais aspectos da nossa vida”. Esperamos que a transformação digital seja um imperativo ainda maior para as organizações no futuro próximo.

por Becky Frankiewicz e Tomas Chamorro-Premuzic na Harvard Business Review

Ao contrário da crença generalizada,

a transformação digital tem menos a ver com tecnologia e mais com pessoas. É possível comprar praticamente qualquer tecnologia, mas a capacidade de adaptação a um futuro ainda mais digital depende do desenvolvimento da próxima geração de habilidades, da diminuição da lacuna entre oferta e demanda de talentos e a garantia de que o seu potencial e o dos outros será aproveitável mais adiante.

Na realidade,

a maioria de nós acaba em empregos e carreiras por motivos inesperados e permanece neles por muito tempo, raramente parando para repensar nosso potencial: Estou no emprego certo? Minha carreira é a mais adequada para meus interesses e capacitação? Eu estaria mais realizado se tivesse seguido outro caminho? Além disso, embora todo trabalho exija aprendizado, estamos pré-programados para a familiaridade, a rotina e a simplicidade, e é por isso que a maioria de nós acaba aprendendo menos no trabalho quanto mais tempo passamos nele. Isso é positivo no curto prazo, porque podemos realizar nosso trabalho no piloto automático, liberando recursos mentais; no entanto, é contraproducente a longo prazo, porque o que ganhamos em experiência, perdemos em novas oportunidades de aprendizado. Uma perda ainda maior é que podemos passar toda a nossa vida profissional sem descobrir, e muito menos destravar nosso verdadeiro potencial. Como Winston Churchill disse certa vez, nunca devemos desperdiçar uma boa crise. Talvez essa seja a maior contribuição da pandemia atual – oferecer a oportunidade para repensar nosso potencial e garantir que estejamos nos posicionando para o futuro. Certamente é muito cedo para a maioria perceber isso, mas, a  longo prazo, um grande número de pessoas provavelmente seguirá melhores carreiras e lembrarão as carreiras passadas, menos expressivas e menos atrativas, como alguém que relembra sem lamentar o fim de um relacionamento pessoal menos gratificante, mesmo aquele que a pessoa não escolheu deixar.

Com isso em mente,

gostaríamos de fornecer algumas sugestões – algumas baseadas na ciência e outras baseadas em nossas próprias experiências liderando, treinando e orientando líderes atuais e futuros em diversos setores, ajudando-os a se prepararem para um futuro cada vez mais digital. Nossa principal premissa aqui é clara: embora o futuro seja mais ambivalente e incerto do que nunca, estamos confiantes de que uma aposta certeira para o futuro é focar na requalificação e aperfeiçoamento das pessoas, a fim de melhor prepará-las para se adaptarem a mudanças. Assim como nossos esforços anteriores nos permitiram a adaptação ao nosso mundo atual mais digital e virtual (e um fato que não se deve ignorar é que nós estamos escrevendo este artigo, e você provavelmente o está lendo, em isolamento físico), existem poucas razões apontando que essa tendência desaparecerá ou será revertida em breve. Na verdade, uma proporção ainda maior de empregos, tarefas, atividades e carreiras encontrará maneiras engenhosas e inovadoras de coexistir no mundo digital. Vejamos como todos nós podemos nos preparar para essa possibilidade.

Coloque as pessoas em primeiro lugar:

a tecnologia sempre procura fazer mais com menos, mas essa combinação só é eficaz se associarmos a tecnologia às habilidades humanas certas. Assim como a disrupção tecnológica em geral resultou na automação e na eliminação de empregos obsoletos, ela sempre criou novos empregos. É por isso que a inovação costuma ser descrita como destruição criativa. Mas o aspecto criativo da inovação é totalmente dependente das pessoas. Se pudermos aproveitar a adaptabilidade humana para requalificar e aperfeiçoar nossa força de trabalho, poderemos simultaneamente fortalecer os seres humanos e a tecnologia. É bem simples, na verdade: a inovação mais genial é irrelevante se não tivermos habilidade suficiente para empregá-la, e mesmo as mentes humanas mais extraordinárias se tornarão menos úteis se não se unirem à tecnologia. A maior lição a se tirar disso é que, quando os líderes cogitam investir em tecnologia, devem antes pensar em investir nas pessoas que podem torná-la útil.

Concentre-se em habilidades sociais:

da mesma forma que a transformação digital tem mais relação com as pessoas do que com a tecnologia, as principais habilidades tecnológicas são as habilidades sociais, e não, as habilidades técnicas. Certamente os analistas de segurança cibernética, engenheiros de software e cientistas de dados estão em alta no mercado de recrutamento. Mas, como discutimos recentemente em nosso artigo, “O ensino superior ainda prepara as pessoas para o emprego?”, há uma necessidade ainda maior de pessoas que podem ser formadas para a próxima onda de capacitação em TI. Paradoxalmente, o ensino superior está sempre buscando se atualizar, porque onde as universidades percebem que há demanda de empregadores, elas criam cursos e programas de aprendizagem relevantes, formando um excedente futuro de oferta de talentos nessas áreas. Em nossa opinião, a melhor maneira de tornar sua organização mais centrada nos dados e mais digital, em primeiro lugar, é investir seletivamente em quem é mais adaptável, curioso e flexível. Como ninguém sabe quais serão as principais habilidades técnicas futuras, a melhor ação é apostar nas pessoas com maior propensão a desenvolvê-las. Nossa filosofia de desenvolvimento de talentos é combinar esse foco duplo no potencial para habilidades sociais e conhecimento para habilidades técnicas: selecionamos pessoas com grande capacidade de aprendizado (pessoas com uma mente ávida) e combinamos seus interesses com as habilidades de maior demanda, mas sabendo que essas habilidades técnicas podem rapidamente se tornar obsoletas – portanto, o essencial é que essa curiosidade permaneça intacta. A competência técnica é temporária, mas a curiosidade intelectual tem de ser permanente.

Promova a mudança a partir do topo:

a ideia de uma mudança de baixo para cima ou de base é romântica e intuitiva, mas, na realidade, a mudança tem muito mais chances de ocorrer se for promovida de cima para baixo. Isso não significa que você precise adotar uma estrutura autocrática ou hierárquica, ou que precise instaurar uma cultura do medo. De fato, é uma simples questão de liderança, seja transacional ou transformacional. No contexto das transformações digitais, a principal implicação é que não se deve esperar grandes mudanças ou melhorias para a organização a menos que você comece selecionando e desenvolvendo seus principais líderes imbuídos dessa disposição. Nunca ficou tão claro que a liderança – tanto a boa quanto a ruim – gera um efeito em cascata e impacta os mínimos aspectos da organização, com até 50% da variabilidade no desempenho grupal ou unitário podendo ser atribuída ao líder individual. É por isso que, quando nos perguntam qual é o fator determinante para a eficácia da transformação em uma organização, nossa resposta é sempre a mesma: o CEO ou o chefe da empresa. É claro que o setor, o contexto, a cultura, as pessoas, o legado e a tecnologia real são importantes, assim como os recursos. No entanto, muitos desses elementos tendem a ser bastante semelhantes entre concorrentes diretos, enquanto a mentalidade, os valores, a integridade e, sobretudo, a competência dos líderes mais graduados têm maior relevância e serão o maior diferencial. Desnecessário dizer que tudo nos negócios pode ser copiado, exceto o talento; por isso, se você quiser causar impacto, invista nos melhores talentos, que é onde você obterá o maior valor. O fator diferenciador na guerra por talentos é sempre a liderança: habilidades com grande demanda, como engenharia de software, são o que falamos, mas o fator primordial é encontrar as pessoas capazes de gerenciar os engenheiros de software e fazê-los trabalhar em equipe para superar outros engenheiros de software.

Esteja certo de agir com base em insights obtidos de dados:

grande parte da discussão atual sobre dados é focada na IA (inteligência artificial) ou em tipos específicos de inteligência computacional, como aprendizado de máquina, aprendizado profundo ou processamento de linguagem natural. Esses poderosos avanços no campo da IA são empolgantes, mas não os vemos como o principal diferencial para preparar sua organização para as exigências futuras. Uma vantagem competitiva muito maior é aproveitar dados valiosos, ter as habilidades necessárias para traduzi-los em insights valiosos e, acima de tudo, poder agir com base nesses insights. Em nossa opinião, dados sem insights são banais e insights sem ação são inúteis. Não devemos enfatizar a importância desse argumento, pois muitos líderes de negócios agem segundo a falsa premissa de que, se contratarem cientistas de dados inteligentes ou comprarem ferramentas sofisticadas de IA, seus problemas desaparecerão ou, de alguma forma, adquirirão status de alta tecnologia. A grande diferença entre a Google e as outras, a Amazon e as outras, a Facebook e as outras não é a potência cerebral de seus cientistas de dados ou a funcionalidade real de sua tecnologia (e, sim, podemos considerá-los como sendo da melhor qualidade), mas suas culturas radicais orientadas por dados. Elas utilizaram ativos de dados incríveis e têm ótimos algoritmos para interpretar (e monetizar) esses dados, mas sua principal vantagem estratégica e maior ativo é que elas vivem, respiram e agem de acordo com os dados. Os dados realmente são seu oxigênio, e isso é algo que não se pode comprar; é possível cultivá-los, nutri-los e aproveitá-los com o tempo – e, acima de tudo, com a liderança (de volta ao terceiro item).

Se não puder fracassar rapidamente, rume ao sucesso em marcha lenta:

assertivas segundo as quais a velocidade é quem manda, que o importante é agir, que a perfeição é inimiga do bem e que você deve estar disposto e ávido por fracassar rapidamente se tornaram clichês no pensamento gerencial. Mas, a única maneira de se adaptar a um presente em constante mudança e inovações rápidas é acelerar e operar nesse ritmo frenético. Obviamente, sempre há concessões entre velocidade e qualidade; portanto, se você não pode falhar rápido o suficiente, o que significa que você não possui uma cultura que tolera experimentos rápidos com a visão de que as lições aprendidas dessas experiências fracassadas lhe deixarão mais forte e inteligente – então, precisa ter certeza de que suas apostas de longo prazo estejam dando resultados. Em outras palavras, não há problema em ter sucesso lentamente se você não puder fracassar rapidamente. No final das contas, o fracasso é apenas uma estratégia para alcançar o sucesso em longo prazo; portanto, se você escolher outra estratégia, ótimo; apenas tenha certeza de que você pode realmente chegar lá. No entanto, lembre-se de que poucas coisas geram estagnação e uma falsa sensação de segurança, como uma obsessão pelo sucesso. De fato, é comum ouvirmos líderes racionalizarem seus fracassos com uma atitude de autoparabenização do tipo “aprendemos com nossos erros”, quando é muito mais difícil aprendermos com nossos sucessos.

Como as últimas semanas demonstraram, como comunidade global, somos ágeis. Essa agilidade foi liderada por pessoas e para pessoas e sustentada pela tecnologia. Os seres humanos são o denominador comum do conceito de preparação para as exigências futuras, seja como um complemento à tecnologia disponibilizada para o trabalho remoto, seja porque possuímos as habilidades sociais e a liderança necessárias para enfrentar uma crise histórica ou porque temos os necessários para promover o sucesso lento ou o fracasso rápido para encontrarmos uma cura. Tudo começa com cada um de nós, e com aqueles que somos responsáveis por desenvolver. O essencial é cultivar a curiosidade para termos opções, mesmo fora de uma crise.

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