A culpa não é só dos astros

por Thomas Woord Jr em CartaCapital.com.br

As organizações de excelência ainda são exceção no Brasil e a maioria está por fazer a lição de casa

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A edição 815 de CartaCapital trouxe um belo texto sobre o estado das coisas do parque manufatureiro brasileiro. “A indústria esmagada” revelou um quadro preocupante sobre os infortúnios do nosso outrora promissor motor do desenvolvimento. A manufatura encolhe, os empregos desaparecem, a competitividade é baixa e o moral está abalado. Nos últimos anos, com o crescimento da renda, a demanda aumentou, mas foi em grande parte suprida por produtos importados. Os vilões são fortes e numerosos: incoerência entre a política macroeconômica e a política industrial, taxas de câmbio desfavoráveis, juros altos e desregulamentação atrapalhada. Resultado: desindustrialização.

Quem se lança à tarefa de empreender e conduzir negócios em nosso país se sentirá como verdadeiro Sísifo. O personagem da tragédia grega era considerado o mais astucioso dos mortais, mas suas estripulias despertaram a ira dos deuses. Sísifo foi condenado a rolar uma enorme pedra até o cume de uma montanha, apenas para vê-la despencar de volta ao ponto de partida, e recomeçar o trabalho.

Não faltam índices e pesquisas para comprovar o que até os botões dos ternos dos empresários sabem: fazer negócios no Brasil não é para principiantes. Nosrankings de competitividade e assemelhados ficamos sempre em posição vexatória, incompatível com o porte e a diversidade de nossa economia. Melhor que a Ucrânia, a Síria e o Iraque, dirão os otimistas crônicos, mas longe de qualquer parâmetro razoável. Bons exemplos não faltam, tanto entre países pequenos, como a Suíça e Cingapura, quanto em meio a gigantes, a exemplo de Estados Unidos e Alemanha, mas parece haver uma resistência matuta a adaptar e incorporar boas práticas.

Entretanto, tal como Sísifo, no caso da competitividade brasileira a vítima não é totalmente inocente. Na ponta externa, a competitividade depende dos chamados fatores sistêmicos e estruturais: ambiente macroeconômico, taxa de câmbio, acesso a capital, regulação, porte do mercado, configuração do setor, concorrência e outros mais. São componentes importantes. Porém, na dimensão interna, a competitividade é função de diversos fatores ao alcance dos empresários e executivos. E nem sempre são bem cuidados.

O setor industrial brasileiro evoluiu de forma heterogênea desde a abertura do mercado e as mudanças econômicas ocorridas nos anos 1990. Algumas ilhas de excelência emergiram, mas o arquipélago continua cheio de ilhotas anacrônicas. Uma pesquisa realizada há alguns anos por Luiz Arthur Ledur Brito, da FGV-EAESP, e por este escriba avaliou dez práticas gerenciais de 163 empresas locais de 20 setores de atividades e comparou os resultados com os de outros países. Apenas 3% das empresas industriais apresentavam nível de excelência.

Quando se analisa a produtividade da mão de obra, o quadro não é diferente. Países como Coreia, China e Chile apresentaram forte evolução na última década, e o Brasil parou no tempo. Conforme observei em coluna recente, se houvesse um Índice de Gini para medir a distribuição do trabalho no Brasil, revelaria resultado tão desastroso quanto o da distribuição de renda. Aqui poucos trabalham muito, a maioria trabalha pouco, e quase ninguém o faz como deveria.

O caos instalado nas empresas locais é frequentemente imputado a fatores externos e forças ocultas. Entretanto, parte considerável da confusão é gerada internamente, pela dificuldade de estabelecer focos de ação e estratégias coerentes, falta de modelos de organização e gestão claros e apego irracional a cada nova onda gerencial supostamente revolucionadora da empresa.  O resultado é mais confusão, dada a presença de numerosos agentes do caos, profissionais e executivos turvos e confusos, sem outra função a não ser criar projetos impossíveis e iniciativas inviáveis.

A combinação entre fatores externos (relacionados ao ambiente de negócios) e internos (ligados à gestão), favoráveis e desfavoráveis, criou no Brasil quatro contextos distintos para a competitividade. Algumas empresas enfrentam céu de brigadeiro, não sofrem os efeitos desfavoráveis de fora e dominam a arte da gestão. São poucas e excelentes. Outras aproveitam, tanto quanto as primeiras, o ambiente favorável, mas se descuidam da gestão. Seguem à deriva, geram lucros enquanto a boa sorte durar. Há aquelas que sentem na pele o efeito nocivo dos males nacionais, como juros, câmbio, infraestrutura e outras mazelas, e procuram compensá-los com ótima administração. Lutam com galhardia, mas obtêm resultados decepcionantes, incompatíveis com o esforço realizado. Finalmente, há as que, como as do grupo anterior, sofrem com o ambiente, mas não conseguem compensar a desvantagem externa. Sua gestão é ineficaz e ineficiente. Estas estão condenadas a desaparecer e a levar junto empregos e esperanças.

No front externo da competitividade há muito por fazer. O governo e suas instituições precisam desatar os nós responsáveis por o país ocupar posições indignas nos rankingsinternacionais. Mas há muito a ser realizado também no front interno. Várias empresas, de todos os portes, setores e tipos, precisam fazer sua lição de casa, modernizar práticas gerenciais e aumentar a produtividade do trabalho. Conhecimento específico existe, basta adotá-lo, separando-o dos disparates de autoajuda que povoam as revistas de negócios e as livrarias de aeroporto. A transição pode ser dura, mas fingir trabalhar pode cansar tanto quanto trabalhar, e não gera valor ou benefício social.

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