Trabalhamos muito ou mal?

por Tatiana Sendin, em VoceRH

São Paulo – Em março de 2014, o americano Mohamed El-Erian, de 55 anos, então presidente de uma das maiores consultorias financeiras do mundo, a Pacific Investment Management Co., renunciou ao cargo depois de receber de sua filha de 10 anos uma carta com 22 momentos importantes da vida dela que ele havia perdido por causa do trabalho.

Para cada evento no qual não esteve presente, o executivo tinha uma justificativa — reunião, viagem ou jantar de negócios. E foi ali que ele percebeu que passou mais tempo fora da vida das pessoas que ama para poder cumprir uma agenda de compromissos.

No mundo todo, há vários El-Erian que ainda não receberam sua listinha de momentos perdidos, mas certamente perceberão esse vazio um dia. Segundo a pesquisa From Dedication to Medication?, realizada com 12 000 executivos de primeiro nível em 85 países pela Regus, fornecedora de produtos e serviços para escritórios, atualmente 48% da população economicamente ativa passa 9 horas por dia no trabalho, enquanto outros 38% ficam 10 ou mais horas.

O estudo aponta o Brasil como o país onde mais se trabalha, com 17% da população cumprindo uma jornada de 55 horas semanais. E o expediente continua fora do escritório: 45% dos brasileiros levam pendências para casa pelo menos três vezes por semana.

Diferentemente do que alguns podem pensar, a longa jornada em nada contribui para a produtividade. Segundo o relatório global da Conference Board, organização americana que reúne 1 200 instituições públicas e privadas de 60 países, para produzir como um americano são necessários quatro brasileiros.

Então, por que trabalhamos tanto? Será que a quantidade de tarefas aumentou ou executamos mal nossas atividades?

Para Raphael Carvalho, presidente no Brasil da Alexander Proud­foot, consultoria global que atua há 68 anos estudando a produtividade das organizações, as horas extras não estão relacionadas ao aumento de tarefas, muito menos à má vontade do empregado. “A culpa é das companhias”, ele afirma.

O serviço está organizado de forma que não permite às pessoas fazer o que deve ser feito dentro do horário correto. “A falta de processos bem estruturados, de métricas e de alguém para ajudar no dia a dia faz com que se trabalhe 11 horas para terminar aquilo que poderia ser feito em 6 ou 7 horas”, diz o consultor.

Segundo a Proudfoot, os profissionais perdem até 30% do dia por causa da ineficiência da corporação. Outra pesquisa, da consultoria empresarial Bain&Company, aponta números mais preocupantes: 80% do expediente da liderança é gasto com assuntos que contribuem com menos de 20% dos ganhos da empresa.

Como chegamos a esse ponto?

As corporações sabem qual é o caminho para recuperar a produtividade e dar um respiro às pessoas: simplificar. Segundo o relatório Leading in the New World of Work, da Deloitte, a simplificação do trabalho aparece como prioridade de sete em cada dez empresários. O problema, portanto, não é o diagnóstico, mas a solução. Depois de complicar tanto a gestão, as companhias têm agora dificuldade para desemaranhar seus nós.

Ao longo do tempo, foram criadas muitas estruturas, sistemas, processos e métricas para dar suporte aos novos rumos dos negócios. “Quando duas áreas não conversavam, o empresário formava uma terceira para intermediar as outras duas, gerando mais uma caixinha, mais controle e mais problema de interação”, diz o diretor e sócio da consultoria Boston Consulting Group (BCG), Yves Morieux, em seu TED Talk intitulado Simple Rules. Assim surgiu o que ele chama de “complexidade organizacional”.

O modelo de trabalho também se complicou. Hoje, a mão de obra está geograficamente dispersa, as estruturas são matriciais, há mais informações, mais pessoas envolvidas nas tarefas e maior dependência para executar o serviço. Na tentativa de equilibrar essa complexidade, os profissionais empregam mais esforço e tempo — sem necessariamente dar conta do recado.

Quando os resultados não aparecem, a empresa acha que as pessoas estão fazendo corpo mole. Nomeia mais gestores para controlar a produtividade e incrementa os mecanismos de avaliação e punição. Está instalado o círculo da ineficiência. “É como se a companhia quisesse salvar o doente aumentando a dose do remédio que não faz efeito”, diz Anderson Sant’anna, professor e gerente do núcleo de desenvolvimento de liderança da Fundação Dom Cabral. Em vez disso, afirma o professor, ela deveria olhar para os problemas estruturais.

Consideram-se problemas estruturais desde o número de camadas hierárquicas até o processo produtivo e a própria cultura de gestão de pessoas. Contam, por exemplo, quantas interações o funcionário precisa fazer ou quantas telas de sistema deve abrir para realizar uma ação. Na maioria das vezes, todos estão tão acostumados a fazer as coisas de determinado jeito que nem percebem o desperdício de esforço.

A fabricante francesa de aviões Airbus, por exemplo, decidiu contratar mais engenheiros porque faltavam profissionais para fazer as aeronaves. Após uma análise, os consultores da Proudfoot descobriram que, na verdade, os engenheiros ficavam ocupados com reuniões, processos administrativos e e-mails, e não lhes sobrava tempo para construir aviões. Identificado o problema, a empresa mudou a forma de trabalhar e desistiu das novas contratações.

Para Yves Morieux, os executivos deveriam “lidar com a complexidade sem criar complicações”. Afinal, ao simplificar processos, sistemas e gestão de pessoas, uma corporação pode aumentar até 25% sua produtividade. E não precisa trabalhar mais horas para isso. A seguir, veja quem conseguiu simplificar o trabalho e hoje já colhe os frutos da mudança.

Identifique os gargalos

Uma boa maneira de descobrir suas falhas é pesquisar. Pergunte aos funcionários, por exemplo, quais são as práticas ou os sistemas mais frustrantes em seu dia a dia e o que pode ser melhorado.

Foi o que fez Marcos Scaldelai quando assumiu a presidência da Bombril, em 2013. Ele convidou os empregados de todos os departamentos, exceto os gerentes, para que apontassem três soluções: o que poderia ser feito em sua área para melhorar sua produtividade; o que deveria ser feito em outro setor para melhorar a produtividade do seu; e o que a companhia como um todo deveria fazer para produzir mais. “Conseguimos mapear os grandes gargalos de cada departamento vistos pelos funcionários”, afirma Scaldelai.

Em seguida, a equipe de tecnologia transferiu os processos mapeados para um software de computador que alerta as pessoas sobre o passo a passo das tarefas e o prazo para concluí-las. “Isso fez com que a velocidade aumentasse e a gestão ficasse clara”, diz o presidente. Se antes a Bombril errava a data de lançamento de um produto em mais de 25% do tempo, agora consegue colocar os itens no mercado nos dias programados.

Saiba priorizar

Para fazer bem seu serviço, é importante que cada um saiba o que se espera dele. Para isso, é preciso estabelecer metas de produção para os indivíduos e métricas claras para o negócio.

Há dois anos, quando chegou à companhia de e-commerce Groupon, Michel Piestun percebeu que a empresa tinha muitas métricas e pouco foco. Os funcionários gastavam tempo e energia com ações que não geravam resultados expressivos. Piestun, hoje presidente para a América Latina, diminuiu as métricas, restringiu as categorias de produtos comercializados e cortou cinco cidades de atuação do Groupon.

Também reduziu os níveis hierárquicos e dimensionou as equipes. “Se você tem cinco níveis entre o vendedor e o presidente, significa que são cinco pessoas aprovando algo e o cliente esperando. Imagina o tempo e o custo disso”, diz. Hoje, o Groupon faz o dobro de projetos com o mesmo número de pessoas.

Para realizar essas mudanças, Piestun fez o que ele chama de follow the money (“siga o dinheiro”). “Compro um produto ou um serviço e simulo um problema qualquer para ver quanto tempo a área de atendimento demora para responder”, diz.

Para o executivo essa é uma forma de medir a eficiência de uma companhia. As piores empresas são, segundo Piestun, as que oferecem os piores serviços — são as que escondem por trás processos engessados, falta de autonomia e sistema ineficiente.
Facilite a decisão

Em sua empresa, os funcionários podem tomar as próprias decisões ou precisam pedir licença à liderança antes? A confiança, acredita Eduardo Aron, presidente da fabricante de rações animais Guabi, impacta diretamente a produtividade. “Se você não confia em sua equipe, adota checagens, inventa reuniões de staff, faz follow up constante, copia todo mundo no e-mail”, diz. Portanto, se você confia em seu time, comunique o que espera de cada um e deixe-o trabalhar. “Você atrapalha menos e eles rendem mais”, afirma Aron.

Ao confiar na equipe, as pessoas se sentem à vontade para dar opiniões. Na Guabi, que emprega 700 funcionários, o resultado veio rapidamente. A empresa precisava melhorar a qualidade do produto e não conseguia. Diretores e gerentes achavam que o problema estava na forma como a equipe da fábrica trabalhava, mas não solucionavam a questão.

Um dia, um empregado da planta avisou: a matéria-prima que entrava na Guabi era ruim. Depois disso, a companhia criou um laboratório para analisar amostras da matéria-prima recebida, melhorando os ingredientes e, consequentemente, a qualidade do produto.

Com essas mudanças, entre outras, a Guabi aumentou 20% sua receita líquida, derrubou o nível de perdas em 2 pontos percentuais, aumentou 2% a produtividade, lançou duas linhas de produtos em dois meses — e ainda reduziu 20% as horas extras.

Use métodos

Muitas vezes as pessoas estão tão mergulhadas em suas tarefas que nem percebem as oportunidades de melhoria. As metodologias são uma oportunidade para repensar o modo de trabalhar.

Foi em busca disso que a equipe de tecnologia do laboratório Fleury começou a usar a metodologia de análise de negócios, divulgada no Brasil pelo International Institute of Business Analysis (IIBA), para avaliar o impacto de um projeto para o negócio. Esse diagnóstico, explica o coordenador da área de TI, Rafael Robira, era feito depois que o desenvolvimento de um software já havia começado.

Agora, no momento que a demanda chega à área, o grupo de analistas estuda qual problema o requisitante precisa resolver, se aquilo está alinhado com a estratégia do laboratório e se há as competências e pessoas necessárias para realizar o serviço até o fim.

Recentemente, uma área de negócio pediu para que a TI desenvolvesse um sistema para atualizar automaticamente o preço dos insumos utilizados nos exames laboratoriais. Com a nova metodologia, a área de tecnologia percebeu que apenas três itens, de uma lista de 450, eram usados frequentemente.

Não valia a pena gastar tempo, dinheiro e gente fabricando um software que poderia demorar dez meses para ficar pronto. O preço dos três produtos poderia ser revisto manualmente em apenas duas semanas. Com a atualização de preço desses três insumos, o Fleury aumentou 18% sua rentabilidade. E, ao abandonar o desenvolvimento do sistema, economizou o trabalho de seis pessoas e algo entre 150 000 e 250 000 reais.

Diminua o controle

Segundo Raphael Carvalho, da Proudfoot, 80% dos projetos revelam que o supervisor, aquele mais próximo da ação, não faz a gestão adequada do trabalho. “Ele está mais preocupado em conferir se o funcionário chega às 9 horas e sai às 17 horas do que em pensar como sua equipe pode fazer melhor sua função”, diz o consultor.

Controlar equipes não é o único ritual corporativo que prolonga o tempo e mina a produtividade. As reuniões também são um símbolo na ineficiência das empresas. Os especialistas afirmam que o ideal é agendar reuniões entre 20 e 50 minutos, em vez de entre 30 e 60 minutos, além de mudar a forma de conduzir as conversas.

Na Bombril e na Guabi, o combinado é falar apenas dos problemas nas reu­niões. Os indicadores positivos são passados rapidamente, e o foco da conversa fica em como resolver o que não está bem. Em ambas, celulares são proibidos.

Na Guabi, Eduardo Aron foi mais radical: desencorajou a troca de e-mails para pessoas do mesmo prédio. “A comunicação eletrônica não é tão produtiva quanto parece. Fica um longo troca-troca de mensagens, mas o assunto não evolui”, diz o executivo. Ao proibir os e-mails, os funcionários passaram a circular mais, trocar ideias, resolver assuntos e criar empatia uns com os outros. “Isso gera confiança e eficácia”, afirma Aron.

Simplifique a vida

“As companhias podem simplificar sem ser simplistas”, descreve a Deloitte em seu relatório Leading in the New World of Work. É isso o que a GE, multinacional americana, está perseguindo.

Apesar de seus 123 anos, a companhia adotou há dois anos a Fast Works, uma metodologia usada por startups que visa entregar mais rapidamente os produtos para os clientes. “Imagine uma empresa que fabrica turbinas de avião, locomotivas, plantas de geração de energia, conectores e soluções de iluminação ouvindo de seus consumidores que a GE deveria ser mais simples”, diz Christian Cetera, líder de recursos humanos da GE para a América Latina.

Para implantar a mudança, a GE estabeleceu novos valores, sendo o primeiro que “o cliente determina o sucesso da companhia”. Também passou a usar o minimal viable product, que significa entregar para o cliente uma versão minimamente usável de um produto, que vai evoluindo com a ajuda do próprio cliente, num processo de cocriação.

“A Fast Works tem tudo a ver com colaboração e é uma guerra contra a burocracia”, afirma Cetera. Isso impacta diretamente na figura do líder, que deixa de ter um título e passa a ter uma função. “Não existem mais estrelas do rock na empresa. Quando o projeto for entregue, o cliente verá a foto do time”, diz o executivo de RH.

Para ensinar seu novo papel à liderança, a GE transferiu sua universidade corporativa para dentro do centro de pesquisa e desenvolvimento, inaugurado em 2014, no Rio de Janeiro. Eles aplicam o conhecimento da Fast Works em projetos reais e interagem com cientistas e pesquisadores do centro, numa troca de conhecimento, criatividade e inovação.

Os processos e práticas de RH também devem sofrer modificações nos próximos anos. O próprio Cetera serve de exemplo do que está para acontecer. Ele comanda o projeto de planejamento da força de trabalho para a América Latina, no qual tenta colocar as pessoas certas nos locais certos usando métodos e indicadores.

Também está à frente do processo de fusão entre a Alstom e a GE, o Alstom Alliance, e ainda é diretor de RH para o Cone Sul. Ele resume: “Minha profissão vai se adaptando conforme a necessidade do cliente, do projeto. É uma interpretação real da organização adaptativa”, afirma.

Cabe ao gestor de RH ser o catalisador dessas mudanças. É ele quem deve alertar a organização sobre a epidemia do trabalho e sugerir como salvar o tempo e tornar a rotina mais eficiente. Vai ser melhor para a empresa, para os negócios e, certamente, para as pessoas.

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