Mineiros do Chile deixam lições de liderança

por Carlos Alberto Julio, em www.hsm.com.br

Acidentes que envolvem coletivos de pessoas sempre nos comovem, especialmente quando há sobreviventes que precisam ser localizados, contatados e resgatados. De alguma forma, nos projetamos nas vítimas e compartilhamos seus medos, dores e aflições.

A chamada “situação-limite” também costuma exibir o melhor e o pior das pessoas. Há quase sempre um desesperado, um pessimista, um alienado, um medroso e um que desconsidera valores e princípios ao tentar salvar a própria pele.

Quando a história tem um final feliz, entretanto, normalmente descobre-se que alguém assumiu o papel de líder, mobilizando as pessoas, transmitindo confiança e organizando racionalmente um plano de sobrevivência.

Um bom exemplo nos foi oferecido pela famosa Expedição Imperial Transantárctica (1914-1917). O propósito era realizar a primeira travessia por terra do continente antártico. A missão, em si, fracassou, mas entrou para a história como uma dos mais notáveis exemplos de resistência em situação adversa.

Na costa do Mar de Weddell, em 1915, o navio Endurance ficou preso no gelo e acabou naufragando. Dessa forma, os 28 homens tiveram que acampar no gelo, enfrentando temperaturas baixíssimas, com uma quantidade mínima de suprimentos.

Foram meses de terríveis provações, mas o grupo sobreviveu, sobretudo por conta dos planos de contingência executados pelo explorador Ernest Shackleton, líder da missão.

Nesse período, ele definiu missões diárias para cada membro da equipe, em atividades que iam da limpeza do terreno à obtenção de comida. Nesse trabalho, coordenava desde atividades físicas do pessoal até apresentações teatrais e artísticas, sempre focado em estabelecer uma rotina de normalidade.

Shackleton tampouco deixou faltar a esperança no campo, dedicando-se de modo obsessivo à montagem de um plano de resgate. Depois de algumas espetaculares aventuras nos mares gelados, a última leva de tripulantes foi resgatada em 1916, na Ilha Elefante. Todos sobreviveram.

Nos últimos meses, acompanhamos drama semelhante. Em 5 de agosto, 33 mineiros ficaram presos a 622 metros da superfície, na mina San José, no deserto do Atacama, no Chile.

Para muitos analistas, era um caso perdido, opinião secretamente compartilhada por alguns dos trabalhadores. Durante pelo menos 17 dias, a equipe não teve qualquer contato com o mundo exterior. Faltava água e comida. O ar era pesado e a temperatura mantinha-se acima dos 32 graus.

A situação parecia até mais desesperadora que aquela dos exploradores da Antártica, que ao menos tinham ar puro e podiam ver a luz do sol. Em meio a toda essas dificuldades, entretanto, emergiu a liderança do topógrafo Luis Urzúa Iribarren, um contramestre de 54 anos que se converteu na referência do grupo.

Logo de início, Urzúa decidiu que as pessoas precisavam se sentir úteis e vivas, e assim distribuiu tarefas a cada um dos 32 companheiros. Segundo os especialistas, essa atitude gerou confiança nos mineiros e foi fundamental para que alimentassem a esperança naqueles dias de silêncio e escuridão.

Do ponto de vista prático, Urzúa mostrou-se também um excelente gerente técnico, estabelecendo medidas para o racionamento de água e comida. Nos primeiros 17 dias, determinou que a cada 48 horas, cada um ingeriria dois pedaços de atum enlatado e meia xícara de leite. Além disso, estipulou um rígido controle sobre a distribuição de biscoitos e pêssegos em conserva.

Louco por futebol e organizador de peladas, Urzúa não dava mole para ninguém, exigindo o cumprimento de tarefas diárias, também no campo da limpeza e organização do refúgio. No entanto, sabia a hora de gerar distração e entretenimento para o grupo, organizando, por exemplo, torneios de dominó.

Urzúa nunca demonstrou medo e foi o último mineiro a deixar a mina, 69 dias depois do desmoronamento, a bordo da cápsula Fênix. O episódio gerará ainda inúmeros debates sobre a segurança nas minas, sobre estratégias de resgate e sobre os limites da resistência humana. Pelo que se sabe, já virou tema de um videogame e deve inspirar um filme no estilo “Os sobreviventes dos Andes”.

Para além da mídia de massa, porém, suscita outro debate: de que forma a epopéia dos mineiros chilenos pode agregar conhecimento à gestão corporativa? O que sabemos hoje é que as empresas carecem tremendamente de um “espírito de missão”. Aqueles conceitos emoldurados na recepção das “firmas” são até lidos pelos colaboradores, mas raramente constituem um padrão consistente de conduta.

Do ponto de vista sociológico, cabe dizer que boa parte das equipes de trabalho já são compostas por integrantes da chamada Geração Y. Essa turma nascida no finalzinho dos anos 70 ao início dos anos 90 cresceu num ambiente de relativa estabilidade, sem guerras e sem grandes dificuldades econômicas.

Especialmente nos estratos médios, foram crianças que ganharam presentes, receberam carinho e não encararam os mesmos castigos que seus avôs impuseram a seus pais. Cresceram brincando, realizando mil coisas ao mesmo tempo e participando da maior revolução tecnológica que o mundo já experimentou.

A verdade é que boa parte desse grupo não se comove muito com palavras de ordem, ideologias e códigos de conduta. Embora cultivem valores éticos e preocupações sócio-ambientais, são críticos e gostam de traçar o próprio destino.

Isso quer dizer que podem, sim, ser mobilizados, mas somente quando se convencem da importância da missão. Normalmente, avaliam as convocações das lideranças locais ou globais. Se reconhecem a pertinência da causa, agregam-se com ardor aos grupos de ação. Foi o que vimos, por exemplo, na “onda verde” que garantiu 20% dos votos a Marina Silva, na eleição presidencial brasileira.

É preciso lembrar que a Geração Y da classe média de Chicago, base militante de Barack Obama, por exemplo, é bem diferente da Geração Y do desértico norte chileno. Entretanto, a difusão midiática de modelos de comportamento e a simultaneidade nos upgrades tecnológicos certamente produziram convergências no universo da juventude.

No caso chileno, pelo menos 13 mineiros fazem parte da Geração Y, o que pode explicar, por exemplo, o envio de videogames e DVDs para a área de confinamento. Entre os técnicos das equipes de resgate, do lado de fora, muitos também faziam parte desse grupo especial, e não se assustaram com o desafio de enviar uma “sonda” para dentro da Terra.

Convém lembrar que no drama da mina San José foi desenvolvido um trabalho modelar de convivência cooperativa entre as “gerações”, aliando maturidade e liderança, de um lado, e disposição e disciplina construtiva, de outro.

Se vivesse nos EUA, Urzúa, de 54 anos, seria considerado um membro da geração “baby boomer”, composta por aqueles que cresceram em tempos brutais de mudança e arcaram com a responsabilidade de enterrar os paradigmas de ódio que haviam provocado a II Guerra Mundial.

No caso do Chile, é provável que Urzúa tenha testemunhado e vivido muita coisa. Quando estava para atingir a maioridade, o general Pinochet derrubou Salvador Allende e impôs uma das mais sangrentas ditaduras do período na América Latina. Enquanto trabalhava em lugares perigosos, procurando ganhar seu sustento, viu o país democratizar-se e modernizar sua economia.

Certamente, há jovens que logo se habilitam para tarefas de comando. No entanto, em situações de emergência ou de brusca alteração de rumos não se pode descartar o conhecimento acumulado pelos líderes experientes, aqueles cujo “couro” tenha sido curtido na adversidade. Esse padrão serviu para os 33 da mina San José. Deveria servir também para grandes corporações, frequentemente ingratas com seus veteranos.

Os anos da vida nem sempre esgotam a juventude de uma alma. Pelo contrário, muitas vezes lhe restituem a leveza e o frescor da infância. Urzúa provou ser um líder nato ao equilibrar o sonho infantil de triunfo e a sabedoria de um CEO tarimbado.

Sua operação subterrânea fez o time jogar com consciência, eficiência e paciência. Por meio de uma comunicação clara e franca, soube convencer e motivar os mais velhos e os mais jovens, alinhando-os aos propósitos da missão estabelecida. Colocou a pessoa certa no lugar certo. Além disso, soube administrar de modo correto e justo os recursos disponíveis.

Quando isso ocorre, os bons resultados inevitavelmente aparecem. O espetacular exemplo chileno está aí, migrando das manchetes dos jornais para os livros de história. Brotou encantadoramente do fundo da terra. Não o desperdicemos!

Por Carlos Alberto Júlio (Empresário, palestrante, professor e autor. Vice-presidente do conselho de administração da Tecnina e conselheiro da Camil Alimentos. 

Melhore os resultados da sua organização com o nosso apoio especializado:

Veja nossas opções de treinamento e desenvolvimento profissional e gerencial
Veja nossa abordagem e nossos diferenciais na consultoria e sugestões de projetos para melhoria de resultados 

Baixe agora o eBook gratuito:
Estratégias para a Transformação Digital 2024
e receba semanalmente as melhores dicas de gestão.

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.