Gestão de desempenho não é rotular funcionários

Avaliar os funcionários só para rotulá-los não leva a nada. É preciso transformar a ferramenta mais importante do RH em uma prática contínua de desenvolvimento.

por Tatiana Sendim na Exame

São Paulo – Há três anos, quando a Natura decidiu incluir a sustentabilidade entre os seus indicadores de desempenho, foi considerada arrojada e inovadora pelos especialistas em gestão de pessoas. Afinal, tinha conseguido incluir um valor da empresa na ferramenta mais importante de avaliação. E o modelo foi um sucesso até o ano passado.

Em 2011, a empresa não atingiu suas metas socioambientais previamente estabelecidas e pela primeira vez na história deixou de compartilhar seus lucros com os funcionários. Consequência: mesmo que todo mundo tenha suado a camisa o ano inteiro e a empresa tenha alcançado um lucro de 831 milhões de reais, sem resultados socioambientais nada de bônus.

Ao perceber a frustração (ou indignação) dos funcionários com o resultado do ano, a luz amarela acendeu na área de recursos humanos e a equipe responsável pela gestão de pessoas decidiu rever a forma como avalia e premia a contribuição de cada um. 

A Natura não está sozinha. Ela é apenas uma entre as muitas companhias que estão revendo a forma como avaliam o desempenho de seus empregados. Segundo o levantamento do Guia Você S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar, 14% das 150 empresas listadas no anuário de 2012 fizeram alguma modificação no processo de medição de desempenho no último ano.

Foi a segunda prática de gestão de pessoas que mais ocupou o tempo dos RHs, perdendo só para os ajustes relativos a cargos, salários e carreira. De modo geral, as empresas incluíram métricas de competências e comportamento, definiram metas e objetivos mais claros e aumentaram a frequência do feedback em uma tentativa de reverter a sensação de injustiça comum a muitos funcionários quando são avaliados. 

As alterações não são à toa. As avaliações de desempenho são quase como um mal necessário nas empresas — ninguém gosta de fazer, mas todos sabem que a prática é fundamental. Segundo Susan M. Heathfield, consultora americana e especialista em gestão de pessoas, o uso da ferramenta é a prática de RH mais criticada pelos funcionários.

E, para os gestores — ela diz —, só não é pior do que demitir. O resultado é que muitas empresas acabam adotando um sistema pró-forma e, consequentemente, ineficaz. Em um estudo realizado por Edward E. Lawler III, professor da escola de negócios da Universidade do Sul da Califórnia, com 100 grandes corporações americanas, 85% consideram seu sistema de avaliação apenas “moderadamente efetivo”.

Qual é a razão de tamanha insatisfação e por que tantas empresas brasileiras estão preocupadas com o assunto? Henri Vahdat, sócio da área de capital humano da consultoria Deloitte, acredita que o pano de fundo é o ritmo de crescimento que o Brasil vive desde o pós-crise de 2009. Terceiro principal destino de investimentos estrangeiros, o país atrai cada vez mais companhias internacionais.

O cenário, explica Vahdat, exige que as empresas tenham processos ágeis para avaliar, premiar os melhores ou substituir os funcionários que não se adaptam à sua cultura. Outro motivo (e talvez o principal) é que o empregado não tolera mais as “avaliações para inglês ver”, como diz o consultor.

“O bom funcionário pode ser atraído pela promessa de que a empresa premia os bons resultados. Mas, se isso não acontecer na prática, ele irá procurar outro lugar para trabalhar”, diz.  

Dividir os empregados em competentes e incompetentes — é bom avisar — está fora de conceito e não é a solução. As empresas que quiserem se dar bem no mercado precisam parar de enxergar a avaliação apenas como um formulário que identifica os “10% melhores” e os “10% que devem sair da empresa o quanto antes”, no melhor estilo Jack Welch, o ex-presidente da GE e um dos precursores da chamada curva forçada, ainda usada pelas companhias.

Um bom sistema de avaliação gera informações para os chefes aproveitarem da melhor forma os diversos perfis de sua equipe e incentiva a todos a se desenvolver. O problema é que as empresas ainda patinam na forma como avaliam os seus funcionários, que reclamam da falta de metas claras, de injustiças na medição e da falta de um plano de ação.

Avaliação vazia

No modelo tradicional de avaliação, o chefe emite opinião sobre os membros de sua equipe — ocasionalmente, o subordinado também é convidado a fazer uma autoavaliação. Como o processo acontece apenas uma vez por ano, o gestor frequentemente baseia sua nota nas poucas situações das quais consegue se lembrar. E ele é obrigado a classificar os indivíduos em categorias como “desempenho extraordinário”, “orientado a resultado” ou “abaixo do desejado”.

Muitos gestores se sentem constrangidos em julgar o próprio time, sabendo que seus apontamentos podem influenciar no bônus ou mesmo contribuir para uma demissão. Para evitar conflitos, acabam por mascarar suas opiniões. Isso é ainda mais grave na cultura brasileira, uma sociedade relacional, orientada para as relações interpessoais.

“Na hora da avaliação, o líder não vai dizer que o funcionário faz corpo mole, nem o subordinado dirá que considera o chefe excessivamente autoritário, embora pensem isso”, afirma Betânia Tanure, consultora da Betânia Tanure Associados, que trabalha com gestão empresarial.

No final, o que sobra é um feedback vazio, que em nada colabora para o desenvolvimento dos funcionários, frustrando os que mais se empenham e protegendo os maus trabalhadores. E a área de RH guarda os questionários em suas gavetas, deixando gestores e subordinados com a sensação de que tudo não passou de uma enorme perda de tempo.

“Isso é só o preenchimento burocrático do formulário do RH”, diz Anderson Sant’Anna, professor de comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, em Minas Gerais. “A avaliação fica circunscrita a um único dia, o Dia Mundial da Avaliação de Desempenho.”

Mas, afinal, como fazer uma boa avaliação? A Natura está em busca dessa resposta. Um aspecto em debate é a contribuição individual versus o desempenho coletivo. “A partir do momento em que algo está em suas metas individuais, a pessoa vai perseguir aquilo até o fim, o que pode causar mais competição do que contribuição”, diz Ney Silva, diretor de gestão de pessoas da empresa. 

E, se precisar mudar rapidamente de direção, a companhia pode ter dificuldades para fazer a conversão com um exército financeiramente incentivado a correr em outro caminho.

Como estabelecer metas individuais que estejam alinhadas com a estratégia coletiva, promovam colaboração e permitam agilidade de mudança? Como distribuir os recursos limitados da organização entre seus subsistemas, de forma que seja bom para o todo e não gere canibalismo entre as áreas? Como fazer as pessoas trabalharem melhor, e não apenas de olho na participação dos lucros? A seguir, algumas respostas para essas perguntas. 

Rituais básicos

Primeiro, é preciso entender que a avaliação de desempenho é o aspecto dinâmico da gestão de pessoas. É a partir dela que acontecem as decisões de aumento, movimentação, desenvolvimento e sucessão. E por isso ela é fundamental. “Quando um gestor promove alguém da equipe, ele o avaliou — por seus próprios princípios, mas avaliou”, diz Joel Souza Dutra, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas no tema no Brasil.

Como o processo é dinâmico, há empresas em diversos graus e, por essa razão, não há uma fórmula que sirva para todas. As iniciantes e menos preparadas tendem a avaliar tudo, “até se o funcionário respirou”, diz Joel Dutra. As veteranas e mais evoluídas têm métricas simples, pois todos os seus funcionários já vivenciam a cultura da avaliação.

Para ir de uma ponta a outra, a empresa precisa desenvolver essa cultura, o que só acontece depois de muitos rituais — as avaliações em si. “Se a empresa pula direto para parâmetros simples, fica com uma avaliação simplória e ineficiente”, alerta Dutra. “Se a avaliação é benfeita, você está recompensando financeiramente quem merece, já identificou as pessoas talentosas para o processo sucessório e está enxergando as lacunas de desenvolvimento da equipe.” Ou seja, o melhor dos mundos. 

Segundo o professor da USP, as avaliações devem ser realizadas em duas etapas separadas. A primeira instância, entre chefe e subordinado, deve enfocar exclusivamente o desenvolvimento do funcionário. (É a comparação do indivíduo versus métricas.)

Aumentos salariais, promoções, demissões e trajetórias de carreira devem ser discutidos em uma segunda instância, preferencialmente em um comitê de gestores, em que o desempenho dos empregados possa ser comparado com o de outras pessoas. “Uma vez que os recursos são limitados, a empresa precisa escolher quem merece mais ter aumento ou promoção”, afirma Dutra. O maior erro das empresas, diz ele, é unificar os dois momentos.

A Votorantim já segue esse modelo há um bom tempo. Em uma primeira etapa, em um modelo conhecido como 240 graus, as pessoas são avaliadas por seu comportamento e desempenho com o único objetivo de desenvolvimento. Depois, um comitê, seguindo o conceito do Nine Box (técnica na qual a empresa classifica os empregados em nove quadrantes, de acordo com o potencial e desempenho), delibera sobre salários, planos de carreira, promoções e demissões.

“O segredo da avaliação de pessoas é a coerência”, diz Gilberto Lara Nogueira, diretor de RH do grupo Votorantim. “Não posso ser uma empresa que valoriza o empreendedorismo se, na gestão de pessoas, não permitir erros.” 

Casamento perfeito

É importante que o modelo da avaliação e as métricas estejam de acordo com a realidade e os valores da companhia. Do contrário, não há ferramenta de avaliação que funcione. “De nada adianta ter uma ferramenta 360 graus (na qual chefe, subordinado e pares avaliam o indivíduo) se o que impera é o autoritarismo”, diz a consultora Betânia Tanure. 

A equipe mundial de RH da farmacêutica Sanofi estuda, desde 2010, a melhor forma de conseguir esse casamento. Depois de comprar as empresas Genzyme e Merial e de mudar o foco de remédios patenteados para medicamentos genéricos, produtos de consumo e vacinas, os recursos humanos ganharam importância.

Se antes a Sanofi se diferenciava dos concorrentes pelas fórmulas dos remédios, agora precisa de funcionários que criem produtos inovadores e atraentes para os consumidores e de pessoas que mantenham bom relacionamento com os clientes. A equipe de RH também queria que os colaboradores pudessem transitar de um negócio para outro e, para isso, precisava de um sistema padronizado de avaliação.

Assim, o time definiu oito competências pelas quais os funcionários seriam analisados, sendo quatro delas aplicadas apenas aos gestores: pensamento estratégico, desenvolvimento de pessoas, tomada de decisões e liderança de equipes.

“Queremos enfatizar o papel do líder como gestor de pessoas”, diz André Rapoport, vice-presidente de RH da Sanofi, que viajou 11 vezes para a França em 2011 a fim de se reunir com o grupo de estudo e desenhar o melhor modelo de avaliação para a empresa. Hoje, 30 000 trabalhadores da farmacêutica no mundo, sendo 2000 no Brasil, passam por essa avaliação. Alguns já conseguiram mudar de unidade de negócios.

A Votorantim tem um modelo parecido. Lá, o time é avaliado em sete valores que representam o modo de ser da empresa e também por cinco competências: desempenho na função, longo prazo, inovação, gestão de pessoas e competência técnica que não domina e deveria dominar. Até 2011, os gestores davam notas para medir como os empregados haviam se saído nas competências.

A partir deste ano, a companhia substituiu as notas por recomendações, escritas tanto pelos chefes quanto pelos subordinados. No critério competência técnica, por exemplo, o chefe pode sugerir um curso no exterior para o subordinado. Um dos motivos da mudança era dar mais homogeneidade às avaliações. Outro motivo, como insiste Gilberto Lara, é fugir dos rótulos. “Eu não quero saber quem é melhor do que quem, eu quero saber como melhorar o indivíduo”, diz.

Acordo pré-nupcial

É fundamental também que as partes combinem previamente o que será avaliado depois. E isso geralmente não acontece. De acordo com uma pesquisa da consultoria Hay, que analisou o engajamento de 5 milhões de empregados em 46 países, 28% dos respondentes desconhecem a estratégia de sua organização e 16% reclamam da falta de clareza do que é esperado de si para o alcance das metas.

“A maior parte dos trabalhadores é avaliada uma vez por ano e nem sabe o motivo”, diz William Bull, sócio do Instituto Pieron, consultoria especializada em gestão de pessoas. Segundo ele, a avaliação de desempenho só vale se for precedida por um acordo de metas.

Na química Dow, as metas são revistas trimestralmente e um sistema ajuda no acompanhamento. E há espaço para mudanças — algo impensável antigamente. “O chefe pode tirar um peso, ou incluir uma meta para o funcionário, de forma criteriosa, e acordada entre ambos, em um diálogo aberto e franco”, diz Graziella Batista, gerente de desenvolvimento e pessoas da Dow. Isso sem ter de pedir autorização para o RH. 

Já na DuPont, um curso ensina todos os funcionários, inclusive os líderes, a escrever seus objetivos. “Porque pensar em objetivo é fácil, mas transpô-lo para o papel é complicado”, diz Claudia Pohlmann, diretora de RH da empresa. E uma pessoa pode se prejudicar na avaliação porque descreveu mal as suas metas. “Objetivos claros ajudam as pessoas a cumpri-los e auxiliam os gestores a avaliá-los.”

No mesmo curso, os chefes aprendem ainda a dar um feedback sincero e constante a sua equipe. Até mesmo os especialistas recomendam que essas conversas não ultrapassem seis meses. Com feedback constante, acredita Claudia, fica mais fácil mudar a direção ou acertar o caminho, se for preciso — e ninguém fica surpreso com o resultado final da avaliação.

Opiniões calibradas

À medida que essas conversas sinceras acontecem, os líderes ficam mais confortáveis em analisar sua equipe. E os subordinados percebem que há um real interesse no seu desenvolvimento — algo bem diferente do preenchimento de relatórios frios. Isso fica mais afinado nas companhias que usam comitês de calibração, como todas desta reportagem.

Depois de dois ou três anos desenvolvendo e participando de comitês, Joel Dutra acredita que os gestores passam a ter condições de defender melhor a sua equipe perante os outros. “Mesmo que os critérios sejam subjetivos, os chefes aprendem a argumentar e levam dados concretos para o consenso”, diz o professor. A avaliação fica mais criteriosa e os líderes se tornam melhores gestores de pessoas.

Na siderúrgica ArcelorMittal, as reuniões de calibração sobem até o nível das Américas, incluindo países como Argentina, Canadá e Estados Unidos. “A diretoria toda fica fechada na sala por dois dias falando de pessoas”, diz Ricardo Garcia, vice-presidente de RH, TI e relações institucionais da ArcelorMittal Aços Longos Américas.

“Isso mostra que hoje os executivos dão importância à gestão de seus talentos e que isso funciona como um instrumento de retenção.” Em uma mudança recente, a ArcelorMittal decidiu abrir os nomes de quem está na lista de sucessores. “A gente diz que não é uma promessa, mas se ele estiver preparado, e tiver condições, poderá assumir um cargo mais alto”, diz o gestor de RH.

Para minimizar o erro de indicar como potencial sucessor alguém que nunca terá capacidade de chegar lá, a Dow criou, há quatro anos, um mecanismo complexo de avaliação. Se na medição de desempenho os indivíduos são analisados pelo que fizeram no último ano, na de potencial são considerados os resultados dos últimos três anos.

As pessoas identificadas como “bom potencial” respondem a um extenso questionário, que também é preenchido pelo chefe, pares do chefe e por alguém do RH, totalizando cinco pessoas. No final, a empresa recebe um relatório de 80 páginas. Em média, 7% da população da Dow está mapeada para alimentar o próximo nível da pirâmide. Na América Latina, são 100 pessoas. “Não significa que esses 100 serão chefes, mas dali devem sair os principais líderes da corporação”, diz Graziella.

Ação de motivação

Por fim, um plano de desenvolvimento é fundamental para uma boa avaliação de desempenho. E desenvolvimento não é apenas treinamento, mas todas as formas de tirar os funcionários de sua zona de conforto e de aperfeiçoá-los em suas funções e comportamentos. Uma avaliação de desempenho que tem como objetivo ser um processo contínuo e constante traz mais resultados para a empresa do que aquela que só pune, ou só premia, e fica engavetada pelo resto do ano.

Na ArcelorMittal, por exemplo, os diretores no passado viviam se queixando de não ter pessoas preparadas na equipe. Com a gestão de desempenho e os comitês, eles perceberam que poderiam ter um time forte e preparado para assumir os desafios. Hoje, diz Ricardo Garcia, os diretores retêm mais gente na companhia e contam com uma equipe bem formada.

Uma boa avaliação reduz a rotatividade, ajuda a preencher as vagas internamente e mostra os possíveis sucessores nos negócios. Resolve, portanto, os maiores e mais complicados problemas da área de recursos humanos. 

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