O Design Thinking (DT) para o serviço público, quando bem utilizado, ajuda a melhorar substancialmente a qualidade dos serviços prestados.
por Joel Solon Farias Azevedo, PMP, CBPP
Diretor da ProValore
Quando aplicado à prestação de serviços, o DT significa emprego de conhecimentos e de abordagens para a criação e, ainda, o gerenciamento do serviço, visando entregar o valor requerido pelos clientes que, no caso do serviço público, são os cidadãos.
Utilizamos, portanto, os conhecimentos de design para construir a forma como o serviço será entregue para as pessoas e como elas vão interagir nos contatos com as organizações públicas, aquilo que comumente chamamos de jornada do cliente.
O principal objetivo do design de serviços é estudar e entender TODO o ecossistema envolvido na prestação do serviço e todas as características das partes interessadas envolvidas, observando pontos positivos a serem valorizados; pontos negativos a serem sanados e; oportunidades a serem aproveitadas. Esta abordagem conjunta precisa ser capaz de aumentar a satisfação e reduzir a insatisfação dos públicos do serviço.
A leitura do cenário atual e algumas premissas:
1. A tecnologia facilitou a nossa vida, menos nas interações com o serviço público;
2. As organizações estão aproveitando a tecnologia para entender melhor as necessidades dos seus clientes e melhor atendê-los, menos o serviço público;
3. A tecnologia de gestão também evoluiu muito, menos no serviço público;
4. Tecnologia é tudo o que facilita a nossa vida e não apenas a tecnologia da informação;
5. As tecnologias estão disponíveis a todos, inclusive ao serviço público.
Entenda o que significa Design Thinking
Engana-se quem pensou que é algo novo. Design vem do latim antigo designare: planejar, imaginar, criar, conceber, desenvolver.
Um exemplo em latim? Leonardo da Vinci. Desenhava, criava e entregava. Com a máxima qualidade.
No português, e somente no português, desenho significa rascunho, e confunde. No espanhol isto não acontece: rascunho é dibujo, e design é diseño.
Regra UM – Saia do achismo imediatamente
O que não funciona você conhece bem: melhorar um pouquinho um processo ou serviço que é muito ruim e talvez nem devesse existir, para que ele fique menos ruim, mas mantendo a mesma estrutura, as mesmas pessoas e a mesma estrutura de poder que garante a continuidade.
Você sabe, tais iniciativas de quem presta o serviço ruim a partir daquilo que ele acha que o cidadão quer, ou ouvindo seus colegas que também acham que sabem o que o cidadão quer, quando na verdade ninguém sabe o que o cidadão quer, porque poucos tem coragem de fazer pesquisa de satisfação. E assim não se chega a lugar nenhum.
Regra DOIS – Design é trabalho colaborativo
Sim, é mandatório envolver e ouvir quem sofre com processos ruins, dos dois lados do balcão.
Sim, se você não ouvir seu cliente jamais saberá o que ele quer. E as soluções adotadas talvez nunca lhe atendam nas suas necessidades.
Se você já ouviu falar de co-criação, os conceitos são muito próximos.
Regra TRÊS – Muito cuidado com os riscos do trabalho colaborativo
Trabalho colaborativo implica sempre em decisão coletiva? Não. E a decisão coletiva tem riscos conhecidos e inerentes a ela e ao trabalho colaborativo, cujas regras básicas são:
1. A equipe não pode ser pequena e nem grande, apenas o suficiente. Algo entre cinco e dez pessoas, no máximo;
2. Proíba o consenso e não faça votações, ou o resultado estará comprometido pela qualidade da defesa de ideias medíocres por bons oradores;
3. Sim, o que você aprendeu sobre brainstorming não se aplica ao Design Thinking;
4. Sim, a presença do chato é determinante. Aquele sujeito desagradável, mas que sabe muito mais do que qualquer outro sobre o processo a ser melhorado;
5. Tal como nos projetos, especialistas não fazem parte da equipe, eles são um limitante por si só. Eles são entrevistados sempre que necessário e em alguns momentos, apenas, e assim não contaminam os resultados;
6. Não trabalhe sem a presença de um definidor, aquela pessoa com poder real sobre o processo e capaz de bater o martelo nas decisões, em tempo real;
7. Conte com a presença de clientes/cidadãos/usuários dos serviços apenas nos momentos determinantes, de análise de valor, análise de problemas e prováveis soluções e avaliação das soluções propostas, ao final.
Regra QUATRO – As fases do processo
1. Entendimento do problema: o ponto de partida é o entendimento profundo do problema a ser resolvido e do valor a ser entregue no processo. Algo como começar pelo fim e conhecer o resultado a ser entregue no processo redesenhado, em termos de valor público.
2. Pesquisa: as consistentes técnicas de pesquisa do Design Thinking auxiliarão na compreensão e entendimentos dos requisitos a serem entregues às diversas partes interessadas. Aqui não tem nada de eu acho ou fulano acha isto ou aquilo. É a necessidade real identificada junto das pessoas reais que sofrem com os problemas reais do serviço ruim.
3. Ideação: depois de entender o que precisa entregar, é hora de ver como fazer isto. É a hora de levantar as mais diversas alternativas de solução.
4. Prototipação: a hora de criar o piloto para atestar ou não a viabilidade, a funcionalidade e o atendimento dos requisitos identificados. Sim, nós sabemos que os tradicionais (sic) acharão a maior perda de tempo, mas é exatamente o contrário. Todo o tempo investido nos testes prévios e pilotos reverte em mais e melhores resultados.
5. Teste: construído o protótipo e tangibilizada a proposta de solução, é hora de testar com quem vai usar o produto ou serviço e certificar o atendimento de requisitos e expectativas com a possibilidade de melhorar ainda mais a proposta de valor. Não atendeu? Então volta ao início e faz tudo outra vez e ajusta e altera até atender.
Regra CINCO – Fatores críticos de sucesso
Da nossa experiência de consultoria em gestão de processos e projetos, podemos afirmar que alguns pontos são determinantes para o sucesso da iniciativa de melhoria:
1. Contar com as pessoas certas;
2. Começar pela análise do valor público que deveria estar sendo entregue e o valor real que está sendo entregue. Lembrando que a qualificação de valor em serviços tem atributos comuns como tempo, custo, qualidade, imagem e relacionamento;
3. Contar com avaliações qualitativas de pesquisas e avaliações pessoais dos cidadãos/usuários sobre a qualidade percebida nos serviços;
4. Contar com a ajuda de um facilitador externo capaz de perceber a influência excessiva ou até mesmo manipulação de interesses pelos participantes;
5. Entrevistar os especialistas depois da análise de valor;
6. Identificar as premissas reais e irreais;
7. Identificar as restrições reais e irreais;
8. Identificar os limites tecnológicos reais e irreais;
9. Identificar os limites de competência reais e irreais nas pessoas;
10. Contar obrigatoriamente com cidadãos/usuários no início e ao final do processo, para avaliar o atendimento das suas necessidades com as soluções propostas.
11. Se as soluções não forem suficientes, comece tudo outra vez.
Regra SEIS – Processos existem para criar e entregar valor
O design de processos ou estruturas, o que for, existe para gerar valor para as pessoas. Organizações existem para gerar e entregar valor para as pessoas. Organizações públicas são conjuntos de pessoas com objetivos convergentes e missão de entregar valor para os cidadãos por meio da prestação de serviços com o padrão de tempestividade e de qualidade requerido pela sociedade.
O mérito da abordagem do Design Thinking é:
1. Empatia – Colocar as pessoas no centro dos problemas e também das soluções e entender as pessoas e as suas necessidades de forma mais integral;
2. Colaboração – Envolver e comprometer os diferentes atores do processo questionando a suficiência do valor entregue e por meio da colaboração ampliar as possibilidades de melhoria;
3. Experimentação – Quem disse que não pode errar? Errar é humano e constitui o processo de aprendizagem. Pode errar sim, mas no protótipo, na experimentação, no teste;
4. Homologação das soluções pelos clientes dos processos, e não pelo prestador – Tem a vantagem de aumentar a satisfação com um custo infinitamente menor do que o achismo.
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